O consumo de crack se alastra como vírus em mutação, doença incurável que tem degredado a nossa sociedade. Os dados divulgados são alarmantes, e as cenas tétricas de usuários pelas ruas, vielas e becos das grandes e pequenas cidades, são dignas dos roteiros hollywoodianos, porém, é a triste e terrível realidade.
Mães e pais desesperados, atônitos diante dos filhos escravos do vício. O crack não faz acepção de pessoas, de credo, de condição social. Seu uso e tráfico não estão circunscrito às grandes metrópoles.
Cidadezinhas do interior, antes pacatas, agora vivenciam todo o tipo de ocorrências delituosas, efeito dos sintomas perturbadores causados pelo uso do crack, e, que leva o viciado a situações de extrema violência, seja durante a ação da droga no SNC (sistema nervoso central), ou pela chamada “síndrome de abstinência”, situação em que o viciado entra em uma fissura pelo uso da substância, capaz de levá-lo ao cometimento de cenas de barbárie.
Para comprar o crack, o viciado vende o que há em casa, é capaz de roubar, matar… vender o corpo, a alma, os sonhos…
Pesquisadores do ramo da psiquiatria e da psicologia humana, são categóricos em afirmar que, depois de disparado o gatilho do vício, a pessoa não consegue sair desta situação sem um apoio efetivo nas áreas psicológica, médica e social, a fim de reabilitar-se para o convívio saudável em sociedade.
Entretanto, que não há cura para o vício. É necessário um apoio contínuo da família e da sociedade, e, muita força de vontade por parte do viciado, a fim de vencer a cada dia… “só por hoje”, conforme a metodologia dos grupos de narcóticos anônimos (NA).
Acontece que, até então, o Estado, de maneira geral, tem se mostrado apático nas medidas para o controle e redução de danos sociais relacionados ao uso do crack. As campanhas publicitárias, veiculadas pelas várias mídias possíveis, surgem apenas como efeito placebo, praticamente inertes no sentido educativo e preventivo.
Infelizmente, a problemática das drogas em geral e, especificamente relacionada ao crack, tem sido tratada apenas pelo prisma da segurança pública. Neste caminho, são construídas noções equivocadas e pontuais, na maioria das vezes sem estudo e planejamento, fazendo eclodir uma série de programas estanques, que funcionam apenas como marketing político e o gasto de dinheiro público em benefício de alguns poucos.
Por fim, o que se vislumbra é uma visão apocalíptica, de cidades arrasadas, do caos tomando conta, da falência geral das instituições. Crianças na mais tenra idade sendo tragadas pela fumaça lúgubre das pedras voláteis de crack; meninas oferecendo o corpo já desnutrido e corroído, em troca de mais uma pedra; pais e mães arrasados, acorrentando filhos, trancafiando-os na tentativa de salva-los do vício, e, alguns, no desespero total, chegando a tirar a vida do próprio ente querido, por não mais suportar a convivência com o monstro em que ele se tornou…
Tais acontecimentos já se tornaram rotina nos quatro cantos do país, entretanto, a situação tende a recrudescer até limites nunca pensados, corroendo todo o tecido social.
As chamas acendendo as pedras de crack e apagando milhares de vidas, como num paradoxo, nos remete às chamas da esperança, já tão débeis neste contexto… Mas, quem sabe se houver o envolvimento de toda a sociedade, um alinhamento de visão na tentativa de salvar o homem, o uso de técnicas médicas, psicoterapias, envolvimento da conjuntura educativa e cultural, o estabelecimento de parceiras no estilo matemático-poético de Beto Guedes onde “Um mais um é sempre mais que dois…”.
Quem sabe assim, ainda haja tempo de sonhar em ver os nossos filhos crescerem, e os filhos dos nossos filhos recordarem de nós como uma geração que despertou e descruzou os braços, encarando com afinco e ternura a problemática do crack, o maior desafio que a humanidade tem enfrentado nos últimos tempos.


*José Carlos Vaz Souza Miranda, é Policial Militar, poeta, instrutor do PROERD e palestrante nas áreas de Segurança Pública, Prevenção às Drogas e Literatura.